Pequena, discreta, mas muito importante: conheça a perereca-rústica
Publicado por parquedasaves em 16/10/2023
Atualizado em 10 de abril de 2024
Tempo de leitura: 5 minutos
Por Elaine Maria Lucas Gonsales, coordenadora do Projeto Perereca-rústica
A perereca-rústica (Pithecopus rusticus) foi encontrada pela primeira vez no verão de 2008, durante uma expedição de campo com o objetivo de realizar o levantamento de fauna de uma área de campos de altitude no Planalto das Araucárias.
Os dados do levantamento subsidiaram a implantação de um parque eólico situado nos limites dos estados de Santa Catarina e Paraná e os registros das espécies de anfíbios também fizeram parte de minha tese de doutorado sobre a diversidade de anfíbios no estado de Santa Catarina.
Durante as expedições de campo, equipados com botas e lanternas, realizávamos amostragens noturnas nos brejos, buscando encontrar as espécies de sapos, rãs e pererecas ocorrentes ali.
Em uma noite, me deparei com uma pequena perereca verde, coaxando timidamente nas margens de pequenas poças de um brejo próximo a uma estrada de terra.
Os machos se deslocavam lenta e graciosamente entre as gramíneas cespitosas próximas da água.
Esse encontro foi bastante inesperado, pois até aquele momento não havia qualquer registro de espécies de pequeno porte do gênero Phyllomedusa na Mata Atlântica do sul do Brasil.
Phyllomedusa: gênero de pererecas que inclui muitas espécies que ocorrem nos biomas Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.
Ao analisá-las, de forma mais detalhada e com a ajuda de um taxonomista de anfíbios, o Prof. Paulo Garcia, percebemos que essas pequenas pererecas apresentavam um padrão de colorido e outras características de tamanho levemente diferentes, mas ainda assim, semelhantes à espécie Phyllomedusa azurea, conhecida nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, além da Argentina, Bolívia e Paraguai.
Taxonomia: sistema de organização que ajuda a classificar e agrupar coisas semelhantes juntas. A taxonomia faz isso com plantas, animais e outras coisas na natureza, criando categorias como “mamíferos” para todos os animais que têm pelos e dão à luz a filhotes vivos. É como um grande quebra-cabeça que nos ajuda a entender e organizar o mundo ao nosso redor.
Nossa decisão foi considerá-la como pertencente a esta espécie até que novos estudos fossem realizados.
Posteriormente, realizamos análises moleculares, em conjunto com o Prof. Daniel Buschi, que confirmaram nossa impressão inicial de que se tratava de uma espécie até então desconhecida pela ciência.
Análise molecular: análise utilizada para acessar a identidade genética dos indivíduos. Ou seja, as análises moleculares são análises do DNA, que levam em consideração as informações genéticas das espécies, que funcionam como “marcas digitais” que podem ser usadas para diferenciar indivíduos e espécies entre si.
Assim, a pequena perereca verde de pernas alaranjadas foi descrita em 2014 como Phyllomedusa rustica e logo depois, em 2016, seu nome foi redefinido para Pithecopus rusticus.
Ela é conhecida pelo nome comum de perereca-rústica, sendo a única representante do gênero Pithecopus nos campos do Planalto das Araucárias, no domínio da Mata Atlântica no sul do Brasil.
De lá para cá, mas especialmente a partir de 2012, um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria, campus Palmeira das Missões, vem monitorando a única população conhecida e também tem buscado por novas populações.
Apesar das buscas, até hoje ainda não registramos a perereca-rústica em outros brejos. Nós acreditamos que este dia vai chegar, pois muitas áreas ainda precisam ser visitadas.
Apesar disso, a situação de conservação da perereca-rústica é bastante preocupante, independente se ela for registrada em mais localidades.
Você sabe por quê? Porque as áreas úmidas dos campos de altitude (chamadas de brejos ou de banhados) do Planalto das Araucárias vêm sendo mais e mais degradadas a cada ano.
A principal razão é a ampliação da agricultura e plantio de Pinus.
Com a perda de hábitat, as espécies endêmicas podem desaparecer para sempre.
Espécie endêmica: espécies de animais e plantas que só ocorrem em um determinado lugar, como é o caso da perereca-rústica.
Devido a esta situação difícil para a perereca-rústica, ela foi classificada como Criticamente em Perigo – CR na Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Portaria MMA nº 148, de 07 de junho de 2022).
Esta categoria de ameaça é a mais grave de todas, sendo a última antes da espécie ser considerada extinta na natureza.
Por isso, em 2022 a perereca-rústica foi recomendada pela ASG Brasil para a manutenção ex situ, ou seja, fora do seu ambiente natural.
ASG Brasil: o Grupo de Especialistas de Anfíbios do Brasil (ASG Brasil) tem como objetivo formar uma rede de especialistas que doam seu tempo e conhecimento para criar uma comunidade onde a conservação prática de anfíbios avance com uma base científica sólida.
É nesta importante e desafiadora missão que entra em cenário o Parque das Aves.
A manutenção ex situ da perereca-rústica tem como objetivo assegurar uma população de resgate até que as ameaças a esta espécie em seu ambiente de ocorrência natural diminuam ou cessem.
Ex situ e In situ: para se referir aos animais que vivem em seus ambientes de ocorrência natural é utilizada a expressão latina in situ, isto é, “em seu lugar”. Já para os animais que vivem em outro local, fora de seus habitats, o termo utilizado é ex situ, isto é, “fora do seu lugar”.
Também será possível reintroduzir indivíduos em locais mais seguros no futuro, caso isso seja necessário.
Hoje, o Programa de Conservação ex situ da Perereca-rústica envolve o esforço conjunto da equipe do Parque das Aves, com o apoio do Zoológico de São Paulo e de pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, além de outras instituições brasileiras.
A ação de conservação ex situ também recebe apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, por meio do Plano de Ação para a Conservação da Herpetofauna do Sul do Brasil (PAN Herpetofauna Sul) e da ASG Brasil, por meio do Plano Estratégico de Conservação de Anfíbios Brasileiros.
Esperamos que o resultado desse esforço conjunto seja a retirada da perereca-rústica da lista de espécies ameaçadas no futuro.
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