Mais antiga que os dinossauros e com sementes que alimentam várias espécies: conheça a araucária
Publicado por parquedasaves em 19/09/2023
Atualizado em 7 de novembro de 2024
Tempo de leitura: 6 minutos
Por Jaime Martinez professor da Universidade de Passo Fundo/RS e coordenador do Projeto Charão (AMA-UPF)
Que tal falarmos sobre essa planta especial, que chamamos de araucária (Araucaria angustifolia)?
Para começar, essa planta tem uma história muito longa no planeta Terra, uma história que vem lá de 230 milhões de anos atrás, pois essa é a ideia que a maioria dos pesquisadores estabelece para a existência do gênero araucária.
Ela é muito mais antiga que os dinossauros. Quando surgiu o primeiro dinossauro, já tinha muita Floresta com Araucárias pelo planeta Terra, em especial no hemisfério sul, na América do Sul e na Oceania, onde hoje está a Austrália e a Nova Zelândia.
A araucária tem uma arquitetura muito típica, muito marcante. Podendo chegar até 40 metros de altura, a araucária possui tronco reto e com ramificações apenas no topo, folhas pontiagudas e flores secas, e a árvore adulta tem copa em formato de cálice.
Essa árvore é uma planta do grupo das gimnospermas, ou seja, daquele grupo de plantas onde a flor ainda não tinha desenvolvido o ovário, apresentando os óvulos nus, óvulos descobertos. Como o ovário resulta na formação de frutos, e os óvulos resultam na formação de sementes, a gimnosperma é daquele grupo de plantas que tem sementes, mas não constituem frutos porque sua flor não tem ovário.
Daí vem o termo gimnospermas, “esperma” = semente, “gimnos” = nu, desprovido, sem proteção. Ou seja, é a planta que tem as sementes nuas, como a gente chamava nas aulas de botânica.
Ao longo dos anos, o pinhão, que é como chamamos a semente da araucária, tornou-se um recurso alimentar fantástico, com um rico carboidrato, que é um amido sem glúten com bom teor de proteína, em torno de 8%. Essa nutritiva semente deve ter alimentado muitos animais ao longo da história da vida na Terra.
Quando os dinossauros herbívoros foram extintos, outros animais passaram a se alimentar dos pinhões, como os mamíferos e aves primitivas.
E assim, a comunidade de animais silvestres que interagem com a araucária foi se modificando ao longo dos anos, e hoje temos espécies como o papagaio-charão (Amazona pretrei), o papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea), as gralhas-azuis (Cyanocorax caeruleus), o ouriço-cacheiro (Coendou spinosus), o serelepe (Guerlinguetus ingrami), as baitacas (Pionus maximiliani), as tirivas (Pyrrhura frontalis) e os quatis (Nasua nasua). Na verdade, são mais de 70 espécies de animais hoje, que direta ou indiretamente, se beneficiam na cadeia alimentar da araucária.
Um fato muito curioso sobre a planta é que o gênero araucaria tem origem na Austrália e na Nova Zelândia, ou seja, lá do outro lado do planeta. Vamos relembrar que no passado todos os continentes estavam juntos e calmamente, ao longo dos milhares e milhões de anos, as araucárias antigas foram derrubando sementes, que germinaram em novas árvores, e assim atravessaram a Nova Zelândia. Depois, atravessaram a Antártida, que naquela época estava mais ao norte e não era toda congelada, e entraram no continente sul-americano pelo Sul, lá pela região da Terra do Fogo.
Após chegarem na América do Sul, vieram conquistando novos territórios, subindo mais para o norte na América do Sul, e aqui elas evoluiram e originaram duas espécies. A primeira espécie, que chamamos de Araucaria angustifolia ou pinheiro-brasileiro, ficou no Brasil, ao Leste da região Sul, e um pouquinho na Argentina. A segunda espécie, a Araucaria araucana, ou araucária-chilena, ficou a oeste do continente, lá entre Argentina e Chile. Ambas produzem pinhões e são utilizadas na gastronomia típica de cada região..
Aqui convém a gente lembrar o quanto sobrou de araucária no Brasil. A maioria dos estudos apontam que devemos ter hoje em torno de 3% das florestas originais com araucárias que nós tínhamos antigamente.
Dos três estados que originalmente apresentavam a maior cobertura de Florestas com Araucárias no Brasil, o Paraná hoje possui apenas de 1% a 2% de cobertura com essas florestas. E esse era o estado com mais cobertura vegetal dessas florestas no país. O Rio Grande do Sul não tem mais do que 3% a 4% dos pinheirais originais.
Por sorte, o estado de Santa Catarina preservou cerca de 25% das florestas originais com araucária, lá estando os maiores remanescentes do Brasil. E a prova disso é que uma espécie de papagaio que raramente voava até Santa Catarina, começou a visitar os pinheirais catarinenses a partir do final de 1980 e começo de 1990, ampliando a extensão de suas rotas migratórias.
Assim, o papagaio-charão, que tem no pinhão um alimento da maior importância para a sua sobrevivência, começou a migrar para além do nordeste do Rio Grande do Sul, que era sua antiga área de concentração populacional durante o outono e inverno, voando até o sudeste de Santa Catarina Todos os anos o charão teve que voar um pouco mais longe.
Quem quiser assistir a um dos grandes espetáculos da vida silvestre no Brasil, fica o convite para vir para o planalto catarinense, mais precisamente nos municípios de Urupema, Painel, Lages e Bocaina do Sul, observar as revoadas do papagaio-charão, e seu comportamento em busca dos pinhões.
Depois de acompanhar toda essa trajetória do papagaio-charão, decidimos que era necessário proteger a área para onde eles estavam indo, para que pudessem ter uma área onde os pinhões pudessem ficar apenas para a fauna silvestre, sem competição com a coleta humana.
Então, o Projeto Charão conseguiu, junto com apoios internacionais, em especial instituições como a União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN da Holanda, e o Rainforest Trust dos Estados Unidos, comprar uma área de Floresta com Araucária e transformá-la em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN. Essa área protegida em caráter permanente garante uma reserva estratégica de pinhões para os papagaios e toda fauna silvestre.
E para a manutenção dessa reserva, fundamental para a sobrevivência do papagaio-charão, assim como para o papagaio de peito-roxo e tantas outras espécies de animais, a RPPN Papagaios-de-Altitude conta com o apoio do Parque das Aves.
Uma parceria pela conservação da Floresta com Araucárias, pela conservação do papagaio-charão, do papagaio-de-peito-roxo e de dezenas de espécies que dependem direta ou indiretamente da nossa araucária.